Dirigentes e torcedores sabem bem que, para que o clube conquiste títulos ou mesmo espaço em campeonatos importantes, é necessário dinheiro, muito dinheiro. Deve-se contratar bem e muito. No Brasil, as finanças da maioria dos grandes clubes estão no negativo. As razões são muitas. De contratações pouco pensadas a parcerias obscuras com grupos de investimentos. A última razão parece-me mais razoável e fiel à realidade do futebol brasileiro. E, a partir da última semana, também à realidade do futebol inglês.
A maldição que São Jorge não quebrou
O Corinthians é um exemplo atual e vivo das conseqüências de investimentos aparentemente grandiosos, cuja origem se desconhece e da qual a justiça desconfia. Resultado: o grupo MSI gastou alguns milhões na contratação de Tévez e Mascherano, o Corinthians foi campeão brasileiro em 2005, mas, no decorrer do ano de 2006, a então vitoriosa parceria revelou esquemas sujos de injeção de dinheiro e uma conduta reprovável na negociação de jogadores.
Começou-se a desconfiar seriamente da MSI e de seu representante aqui no Brasil, o indiano Kia Joorabchian. A situação de crise do Corinthians foi decisiva para a saída, silenciosa e discreta, da MSI do país. E ela não foi sozinha: levou junto consigo seus pupilos Tévez e Mascherano, atletas da MSI e que por acaso foram emprestados ao Corinthians por um tempo. No fim de 2007, o alvinegro paulista amargava o rebaixamento à segunda divisão, sem dinheiro, sem a confiança da torcida e com uma imensa crise interna. O time paulista pagou caro por suas pretensões gananciosas e pela avidez em alcançar o sucesso a qualquer custo.
Refugo no Brasil, a MSI precisava de um novo parasita. E encontrou o lugar perfeito para se instalar: a Inglaterra. Mas como na Europa, sendo que lá a vigilância financeira e fiscal sobre os clubes é muito mais intensa do que aqui? É aí que reside o trunfo da MSI. Ela se dirigiu exatamente para o país que é mais aberto a investimentos estrangeiros. Não por acaso, a Premier League (a “Série A” do futebol inglês) é a liga mais rica e mais vista no mundo, reconhecida, principalmente, pela impecável organização. Na Inglaterra estão os estádios mais seguros e confortáveis e os melhores jogadores do planeta. Na ânsia de crescer rapidamente, por meio de bons jogadores e altos (e fáceis) investimentos, o West Ham, clube mediano de Londres, seguiu os passos do Corinthians, cedeu às propostas da MSI e conseguiu levar para Upton Park os astros argentinos Tévez e Mascherano. O time imitava o também londrino Chelsea, do bilionário russo Roman Abramovich, o homem que desde 2003 injeta cifras altas nos blues e que colocou o clube no patamar dos grandes da Inglaterra e dos grandes do continente europeu.
O West Ham se arriscou e acabou sendo salvo do rebaixamento à segunda divisão graças aos gols de Tévez, no sprint final da temporada. A intenção da MSI era comprar o clube, mas não tinha fundos suficientes para isso. O islandês Björgólfur Gudmundsson foi mais rápido e adquiriu as ações dos hammers. Antes, Tévez já tinha se mandado para o todo-poderoso Manchester United e Mascherano já estava a caminho do também gigante Liverpool. O dinheiro da compra não ficou com o West Ham e sim com a MSI, dona dos jogadores. A Federação Inglesa de futebol (que proíbe a compra de jogadores por meio de intermediários) considerou ilegal o uso dos atletas pelo West Ham e puniu o clube em 8 milhões de euros.
Estresse jurídico, crise e punição
O pequeno, mas tradicional, Sheffield United foi relegado à segunda divisão em 2007 e não aceitou a escalação irregular dos argentinos pelo West Ham, atletas que, na época, ainda eram jogadores da MSI. Pelas leis inglesas, um jogador deve sempre pertencer a um clube e não a uma empresa. Na última rodada do campeonato daquela temporada (2006/2007), o West Ham venceu o Manchester com gol de Tévez, resultado que salvou o time do descenso e que rebaixou o Sheffield. A apelação do Sheffield é perfeitamente compreensível. O clube foi prejudicado esportivamente e, claro, financeiramente – perder um espaço na primeira divisão é sinônimo de perder também muito dinheiro com a venda de ingressos, direitos de TV e oportunidades de patrocínio.
O presidente do clube, Kevin McCabe (foto: Daily Mail), pediu indenização por danos e revelou, na última semana, que o Sheffield ganhou a ação contra o West Ham em um tribunal independente. A punição aos hammers seria de 30 milhões de libras (equivalente a R$ 105 milhões). O West Ham tentará reverter o veredicto na Corte Arbitral dos Esportes (CAS), sediada em Lausanne, Suíça. É improvável, porém, que a CAS dê ouvidos ao apelo do clube. Em relato à BBC, o secretário-geral da entidade Matthieu Reeb declarou que “pelo andamento das coisas, o CAS não terá condições de ouvir o caso”. Cerca de dez jogadores do Sheffield, que tiveram perdas financeiras com o rebaixamento do time, contrataram advogados para entrar com processo contra o West Ham.
Mesmo depois de um ano da saída da MSI, o clube não se livrou totalmente dos males deixados pelo parasita e agora se vê em uma crise avassaladora. E este é apenas o início das dores. Na Inglaterra, onde quase a metade dos clubes da primeira divisão está nas mãos de investidores estrangeiros, o West Ham foi o primeiro a se desiludir e a entrar em colapso financeiro e fiscal. Os tribunais ingleses e a Federação Inglesa não vêem a hora de limpar a sujeira em outras agremiações.
Sobre torcedores e insatisfações
E nós, espectadores e fãs de futebol? Continuemos acompanhando os jogos, os campeonatos, vibremos a cada lance e gritemos a cada gol marcado por nosso time, pois nada temos a ver com a conduta gananciosa dos cartolas de futebol. Só podemos mesmo é reclamar e murmurar. Se nem mesmo os jornalistas mais fervorosos, nas mesas-redondas de discussão, possuem palavra de decisão em alguma coisa, porque nós deveríamos nos preocupar com isso?
Preocupemos apenas com a situação do nosso clube na tabela ou apreciemos a complexidade organizacional do jogo europeu. Do jeito que as coisas andam, se olharmos muito para a direção dos clubes e para o preocupação estritamente financeira de empresários e jogadores, rapidamente ficaremos desiludidos.
Mais vale aproveitar e curtir aquilo que é bom no mundo esportivo: o jogo, o próprio esporte e a pureza da competitividade. Aquilo que está fora das quatro linhas, exceto a torcida, não tem muita preocupação com o esporte, mas sim com aquilo que poder ser lucrado com ele. E ver o jogo apaixonadamente não significa vê-lo de forma descerebrada. Podemos e devemos sim, reclamar o quanto quiser, mas talvez seja apropriada uma mudança de foco nas reivindicações. Exigir preços mais baixos nos ingressos e melhores condições nos estacionamentos e imediações dos estádios parecem pedidos mais próximos da realidade vivida pelo torcedor semanalmente. No futebol gringo, o que podemos fazer é apreciar os gramados impecáveis, os estádios monumentais, invejar a perfeita organização estrutural do jogo, e identificar os ex-craques dos times pelos quais torcemos com camisas de clubes que, infelizmente, não são daqui.